Chegar à fazenda Nhumirim, da Embrapa, em Nhecolândia, é mais que uma aventura
A curicaca, com seu bico enorme, abre o emaranhado de sons às 4h30. Depois vem o belo canto do tordinho, o grito melodioso da aranacuã, ouvem-se araras, bem-te-vis e pássaros de gorjeios lindos e engraçados. De repente, a cantoria torna-se frenética. Aves, em pequenos bandos, cortam o céu em direção ao lugar onde costumam achar alimento.
Assim começa o dia na fazenda Nhumirim, da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) na subdivisão de Nhecolândia, Pantanal Sul. A Nhumirim, onde pesquisadores realizam trabalho de campo, dista 150 quilômetros de Corumbá (MS). Mas para chegar lá, mesmo na época da seca, é uma grande aventura. Percorre-se pelo menos 20 quilômetros a mais, em busca de caminhos mais suaves.
Num utilitário tração nas quatro rodas, o único que vence o denso areal, após 40 pontes de madeira, 14 porteiras e cinco horas de viagem, chega-se ao destino.
Na época das águas, que está começando agora, a viagem torna-se uma epopeia. Em pelo menos 100 dos 150 km o deslocamento é feito em barco, usando a estrada como canal de navegação. Concluída em trator, só depois de onze horas é possível chegar.
Isso sem falar na viagem Ribeirão-Corumbá, que tem início às 6h30 no aeroporto Leite Lopes, passa por Campinas (espera de uma hora e meia), por Campo Grande (três horas de espera) para chegar às 14h30 em Corumbá - uma hora a menos que Brasília.
A fazenda
A manhã em Nhumirim tem café, leite e roscas feitas na fazenda mesmo a partir das 6h. Pesquisadores, bolsistas e estudantes residentes em Corumbá, que viajam semanalmente, costumam trazer pão e frutas para compor o cardápio.
Às 7h, todos saem para o trabalho. O termômetro geralmente já marca 26 graus e o indicado é permanecer na lida até as 11h. O recomeço é às 13h30 e o dia se estende até as 17h.
O fuso de Nhumirim é de duas horas a menos que Brasília. Dizem que seria inútil adiantar o relógio. A fauna pantaneira, bois, cavalos, ovelhas e búfalos não iriam entender. Mas é estranho, às 18h30, ainda com uma bela réstia de sol, ver William Bonner abrir o Jornal Nacional.
Para chegar a Nhumirim, saindo de Corumbá, corta-se a bela serra do Urucum, lentamente dilapidada pela mão do homem. A Vale extrai ferro e manganês de suas entranhas. Em seguida, numa balsa, no Porto da Manga, atravessa-se os 300 metros do rio Paraguai. A energia elétrica termina ali, restando ainda 130 quilômetros para botar os pés no posto avançado da Embrapa.
A fauna
As três chuvas que caíram no final de outubro, trouxeram a fauna de volta aos rios e lagoas, avisa o nosso motorista Ayrton Araújo, nascido e criado em Corumbá. Avistamos dois jacarés tomando sol e o repórter-fotográfico Weber Sian se agita. Mas o motorista passa reto para desespero de Sian. "Calma. Vamos ver muito jacaré", diz Ayrton. Então, cruzamos com dezenas deles. No caminho, havia jaburus, gaivotas, cegonhas, gaviões, araras, maritacas, tucanos, garças e pato selvagem.
E mais: capivara, lobinho, porco-monteiro, veado-campeiro, quati e uma jovem e enorme sucuri tentando cruzar a estrada. Só faltou a onça.
Nhumirim
A Nhumirim, com seus 4.300 hectares, é um pequeno sítio para os padrões das fazendas pantaneiras. A vizinha Campo Doria tem 40 mil hectares. O tamanho médio das fazendas no Pantanal é de dez mil hectares, diz Cleomar Berselli, 27 anos, gaúcho de São Valentim e gerente da Nhumirim.
Ali trabalham e moram 13 pessoas. O gerador consome três mil litros de diesel/mês, apesar da economia de guerra para não aumentar os gastos e nem poluir o local. Só tem energia das 10h às 13h e das 17h às 22h. Um homem em Nhumirim, à noite, sem uma boa lanterna, não é nada.
O almoço - arroz, feijão, macarrão, uma carne e rúcula - é servido das 11h às 12h. O jantar, com o mesmo cardápio, vai das 18h às 19h. O que não falta na fazenda é café na garrafa térmica e água tratada e gelada para o consumo. A água do banho é leitosa em razão do calcário e amarronzada por causa da presença da argila.
Os pesquisadores trabalham com gado nelore e tucura, cavalo pantaneiro, ovelha, mel, jacaré e fauna. Nem todos frequentam semanalmente a fazenda. Muitos desenvolvem o trabalho da sede da empresa, em Corumbá. Na quinta ou sexta-feira cedo, voltam para a cidade.
Na despedida, o coração só dói no peito daquele que vai embora, talvez, para nunca mais voltar. Para quem trabalha lá, as viagens costumam ser alegres e a semana recomeça na terça-feira. Com a bênção do sol ou da chuva pantaneira.
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