4 de março de 2011

Um "causo" de onça...

Eram cerca de 18h30 (28/02/2011) quando os guias da Fazenda San Francisco me chamaram pra ir atrás da onça-pintada. Eles tinham acabado de voltar do Corixo São Domingos, onde estavam pescando piranhas para alimentar o Tuca: Tuiuiú que está sendo reabilitado após período de recuperação no CRAS/MS - veja no Blog Bichos Pantaneiros.

No fim da pescaria, começaram a escutar uma onça-pintada esturrando (vocalização de onça chama esturro), fora da mata do corixo, no sentido das invernadas da fazenda, mas bem perto de onde estavam. O que você faria nesse momento? Não faço idéia, mas se você é um guia pantaneiro da Fazenda San Francisco, mesmo que já tenha visto o animal várias vezes antes em diferentes tipos de situação, você vai fazer o óbvio... Vai tentar ver de novo!

Foi aí que eu entrei na história. Recebi o recado de que os guias que estavam no Corixo São Domingos (Giuliano, Elmo, Armando, e Emerson) mais os biólogos Gabriel e Kefany, iriam tentar encontrar a onça-pintada indo de carro até onde se acreditava que ela estivesse.

- Vamos ver o bicho? – foi o que o Giuliano me perguntou

- Vam’bora! – respondi

Saímos então os sete, um grupo de pessoas que trabalham no Pantanal e que fazem do avistamento de animais e da paisagem pantaneira seu cotidiano, mas que mesmo ao final de um dia de trabalho, todos partilhavam da mesma adrenalina, da mesma emoção da busca pelo animal mais cobiçado por visitantes (e guias também, por que não?) do Pantanal.

Fomos até um ponto, na Invernada do Corixo, onde paramos o carro e escutamos. O sol já estava quase sumindo, e os mosquitos já estavam se amontoando. Passou mais um tempinho, o Armando começou a imitar a vocalização da onça-pintada usando um esturrador (instrumento parecido com uma cuíca, com som bem grave), pra vermos se ela responderia. Passou mais meia hora mais ou menos, nada de resposta, e a doação de sangue aos mosquitos continuou...

- Vambora que tem pouco mosquito aqui, e eu gosto de muito! – falou o Giuliano.

Essa era nossa deixa pra irmos embora, ou pelo menos tentar...

O que poderia acontecer numa estrada de terra, cheia de valetas, no meio de uma invernada de gado, depois de um mês de fevereiro com mais de 300 mm de chuva? Pois é, isso mesmo, atolamos... Não sei dizer ao certo mais quanto tempo passamos ali tentando sair, cavando em volta das rodas pra desatolar, cortando galhos pra calçar as rodas, talvez uma hora, talvez menos. Posso dizer que apesar de não ser o programa ideal pra um fim de tarde, foi divertido, o grupo trabalhando junto pra sair, na base de brincadeiras e piadas, bem ao estilo pantaneiro. Passado esse tempo de luta contra o atoleiro, o veredicto foi dado, só um trator pra resolver.

Fomos embora a pé, e com a ajuda de uma lanterna, chegamos de volta na sede depois de mais ou menos quarenta minutos andando. Caminhada rápida e divertida, apesar das condições de lama e garoa fina, novamente graças ao espírito dos pantaneiros e suas brincadeiras (leia-se principalmente o guia Elmo - quem conhece sabe do que estou falando).

E a onça? Já ia esquecendo, não vimos não. Pelo menos não ontem à noite.

Mas hoje de manhã, a história teve outro final...

Hoje cedo recebi novo recado do escritório:

- O Giuliano pediu pra te avisar que ele e o Elmo estão lá no Corixo São Domingos escutando a onça esturrar – falou a Kefany

- É mesmo? – respondi (será que dessa vez vai? – pensei)

Como dizem os antigos, quem não arrisca não petisca! Parti pro Corixo São Domingos pra encontrar com eles. Assim que cheguei, minha primeira boa surpresa, ela estava acabando de dar uma esturrada!

- Escutou? – perguntaram os dois, quase em coro

- Caraca! Só escutei o fimzinho... – respondi

Passaram mais cinco minutos e ela começou de novo, desta vez ouvi alto e claro, desde o início, o belo esturro da onça-pintada! Mais cinco minutos de novo, ela voltou a esturrar. Aí, não teve jeito, nós três nos olhamos pensando a mesma coisa:

- Vamos até ela!

Pulamos na Vira-Lata e subimos o Corixo São Domingos até onde eles haviam escutado ela ontem. Paramos lá, motor desligado, segurando na vegetação pra correnteza não nos arrastar pra baixo. Deu uns dez minutos, ela esturrou corixo acima, não muito longe de onde estávamos. Esperamos. O tempo passou (15 min?) e nada mais de esturro. Mas será possível? De novo ela ia atiçar a gente, mas não ia se mostrar? Resolvemos subir mais um pouco, até onde achamos que vinham os esturros, mas paramos na margem oposta, onde parecia haver uma trilha, apesar da inundação ter tomado a maior parte da mata. Queríamos ver pelo menos uma batida (rastro em “pantanês”). Mas não havia nada, só água.

- Acho que ela logrou a gente de novo. Vam’bora! – disse o Giuliano

Foi a palavra-chave! Nem bem resolvemos ir embora, ela começou a esturrar de novo. Do outro lado do corixo, a cerca de 50m da gente, corixo abaixo! Aí foram umas quatro ou cinco esturradas em menos de dez minutos! Estava tão claro que não tinha mais jeito de dar errado, ela só podia estar na beira do corixo. Então fomos soltando a vegetação e deixando o barco rodar pra tentar vê-la sem fazer barulho. Elmo foi o primeiro:

- Olha lá ela!

- Onde? – perguntei

- Bem ali, entre o acuri e a outra árvore! Dá pra ver o peito branco dela!

- (Que m. não estou vendo nada!) – pensei – Eu não ’tô vendo – respondi

- Chega aí Giuliano que você vai ver – falou o Elmo, meio que desistindo do “ceguinho”

- Caraca! Agora eu ’tô vendo – sussurrei

E nisso o barco descia lentamente enquanto a gente passava por onde ela estava. Ela parecia também não acreditar no que estava vendo:

- Da onde saíram esses três? (será que foi isso que ela pensou?)

Depois de descermos bem pra baixo de onde ela estava, Elmo ligou novamente o motor e subimos bem de manso pela outra margem até passarmos por ela. E aí nos aproximamos mais um pouco e paramos segurando nos galhos de uma árvore. E ali pudemos ver ela muito bem. Que animal lindo! Uma fêmea, não muito velha, pelo que deu pra reparar de sua dentição bem branca e pontiaguda. Ficamos ali os quatro, naquela admiração, pelo menos da nossa parte... Ela parecia bem tranqüila e também ficou nos olhando por um tempo, até resolver sair dali. Saímos também, e enquanto a gente comemorava e se cumprimentava pela beleza do momento que a gente tinha compartilhado, ela nos lembrou de que ainda estava por perto, e nos brindou com mais um belo esturro lá de dentro da mata alagada.

- (Êta bicho poderoso) – pensei comigo mesmo

P.S.: É por isso que resolvi contar tudo desde ontem, pra vocês terem idéia de que não é fácil ver um animal como a onça-pintada, e que se você tiver visto uma aqui na Fazenda San Francisco, pode ter certeza de que os guias que estavam te acompanhando ficaram tão felizes (ou mais) quanto você!

5 comentários:

Fabio Pellegrini disse...

Belíssimo relato, Henrique! Continue nos mantendo informados! Forte abraço a todos!

Psicologia - Jacinta disse...

Ficamos agradecidas por nos mostrar o tão lindo animal que existe ai na fazenda, continue lembrando da gente que não vamos esquece-los. abraços mil

tati ono disse...

caraca!!maneríssimo!!gde abraço!!

João Henrique disse...

Parabéns Henrique....
Maravilhoso Relato sobre a onça-pintada...
Eu já vi onça pintada ai na Fazenda.....uhhhh

João Henrique

Mauricio Oliveira disse...

Muito legal heim!!!
Queremos mto encontrar a onça quando estivermos ai tb.
Grande abraço.