Publicado na Revista National Geographic (NG), em dezembro de 2011 com o titulo Politics is Killing the Big Cats. Conheca melhor George Schaller visitando o link http://www.panthera.org/people/george-schaller-phd
Texto original: George B. Schaller traduzido por Henrique Villas Boas Concone
Precisamos de uma nova abordagem para salvá-los, diz o proeminente biólogo de campo George B. Schaller.
Tigre: Fotografia de Steve Winter
Quando eu comecei a estudar os grandes felinos a quase meio século atrás, sua imponência pura me encantou: Tigres caminhando sobre patas de veludo através das florestas do Parque Nacional de Kanha na Índia, seguros de sua força, dignidade, e flamejante beleza; bandos de leões do Serengeti esparramados sob as sombras das acácias, derramados como mel sobre a grama dourada; leopardos-das-neves fluindo como meras sombras ao longo dos penhascos do Himalaia; e onças-pintadas movendo-se misteriosamente sozinhas na vastidão dos alagados do Pantanal Brasileiro. No entanto, hoje eu contemplo esses ícones da natureza selvagem e da própria selva com preocupação, sabendo que seus destinos dependem apenas da humanidade.
Lá nos anos 1960 e 1970, nós realizamos trabalhos de história natural básica, que alguns diriam hoje fora de moda. Não havia imagens de satélite disponíveis para que delineássemos habitats adequados. A rádio-telemetria era primitiva, embora tenhamos aparelhado onças-pintadas com colares e rastreado seus movimentos. Não tínhamos câmeras automáticas com infravermelho para fotografar as criaturas que passassem. Para reconhecermos com certeza um tigre, eu olhava de perto o padrão de listras em sua face.
Quando eu comecei a estudar os grandes felinos a quase meio século atrás, sua imponência pura me encantou: Tigres caminhando sobre patas de veludo através das florestas do Parque Nacional de Kanha na Índia, seguros de sua força, dignidade, e flamejante beleza; bandos de leões do Serengeti esparramados sob as sombras das acácias, derramados como mel sobre a grama dourada; leopardos-das-neves fluindo como meras sombras ao longo dos penhascos do Himalaia; e onças-pintadas movendo-se misteriosamente sozinhas na vastidão dos alagados do Pantanal Brasileiro. No entanto, hoje eu contemplo esses ícones da natureza selvagem e da própria selva com preocupação, sabendo que seus destinos dependem apenas da humanidade.
Lá nos anos 1960 e 1970, nós realizamos trabalhos de história natural básica, que alguns diriam hoje fora de moda. Não havia imagens de satélite disponíveis para que delineássemos habitats adequados. A rádio-telemetria era primitiva, embora tenhamos aparelhado onças-pintadas com colares e rastreado seus movimentos. Não tínhamos câmeras automáticas com infravermelho para fotografar as criaturas que passassem. Para reconhecermos com certeza um tigre, eu olhava de perto o padrão de listras em sua face.
Eu coletava fezes para determinar o que esses gatos haviam comido, seguia seus rastros na poeira ou neve para delimitar a extensão de seus movimentos, e examinava cada presa para descobrir sua idade e sexo. A conservação depende de tais informações.
Naquela época eu não imaginava que a natureza iria, tão rapidamente, se tornar esgotável. A população humana mais do que dobrou desde então, florestas deram lugar a campos, e rebanhos de animais domésticos substituíram a fauna silvestre nas pastagens.
Leões, outrora tão abundantes, estão desaparecendo fora das reservas. Baleados, envenenados, e capturados em armadilhas por pastores e fazendeiros, parcialmente porque matam gado e ocasionalmente uma pessoa, os leões podem vir a sobreviver somente em reservas protegidas. Tigres ocupam hoje não mais do que 7% de sua distribuição original. Menos de 4.000 podem estar livres na natureza, enquanto, num triste contraste, a China e os Estados Unidos possuem cada um cerca de 5.000 em cativeiro.
Tigres e leopardos na Ásia são ameaçados por uma rede de caçadores ilegais que fornecem para o leste da Ásia, particularmente a China, com peles, assim como ossos e outras partes do corpo desses animais com suposto valor medicinal. Não é de se espantar que duas das reservas da Índia, Sariska e Panna, perderam todos os seus tigres sob o olhar de uma guarda complacente e desmotivada.
Certa vez eu segui o rastro solitário de um raro guepardo (cheetah) asiático através de seu ultimo lar no deserto do Irã. Como pode o mundo ficar de braços cruzados enquanto tesouros naturais como esse desaparecem, país após país?
Quando comecei meu trabalho de campo, foi com o objetivo não apenas de estudar uma espécie mas também de promover sua segurança dentro de uma área protegida. Esses esforços continuam essenciais. Mas eu tive que mudar minha forma de pensar. A maioria dos países hoje não tem espaço para dispor novas áreas grandes para sustentar uma população de, vamos dizer, 200 leopardos-das-neves ou tigres. A maioria das reservas existentes são pequenas, capazes de sustentar apenas alguns grandes felinos – e estes podem se tornar extintos por causa de endocruzamento (cruzamento excessivo entre animais muito aparentados), doenças, ou algum acidente eventual. E conforme os ecossistemas mudam com a alteração climática, animais terão que se adaptar, migrar, ou morrer.
Ao invés de se concentrar apenas em áreas protegidas isoladas e bem definidas, a conservação aumentou sua visão para manejar paisagens inteiras. O objetivo é criar um mosaico de áreas centrais sem pessoas ou desenvolvimento humano, onde um leopardo ou uma onça-pintada podem se reproduzir em paz e segurança. Tais áreas centrais são conectadas por corredores de habitat adequados que permitam um felino viajar de uma zona de segurança para outra. A área remanescente de uma paisagem é designada para o desenvolvimento humano. Essa abordagem integra aspectos ecológicos, econômicos e culturais. Eu estou envolvido em tal planejamento de paisagem para leopardos-da-neve no Planalto Tibetano na China. Nós mapeamos a distribuição do felino; fizemos censos das presas, tais como o carneiro azul (blue sheep); treinamos pessoal local para monitorar a vida silvestre; e trabalhamos com comunidades e mosteiros para promover bom manejo de terras e animais domésticos. Este trabalho é coordenado pelo Centro de Conservação Shan Shui da Universidade de Pequim.
É bastante fácil delinear o planejamento da paisagem, apontar locais potenciais em imagens de satélite, e criar um idílio mental de grandes felinos e gente vivendo juntos em harmonia. Muitas conferências foram realizadas para definir problemas e apontar prioridades – mas a retórica supera em muito a implementação. Todos os grandes felinos continuam a diminuir seus números.
Para a maioria dos países simplesmente falta o desejo político e a pressão pública para salvar sua vida silvestre. Mesmo a proteção de reservas tende a ser fraca, com caça furtiva de animais, desmatamento desenfreado, mineração e outras atividades ilegais acontecendo comumente. Cada país necessita de uma força de proteção de elite apoiada pela polícia e mesmo o exército, cooperação regional rigorosa para impedir o comércio ilegal de peles e ossos, ação judicial rápida contra os infratores, além de outras ações de impedimento contra os crimes. No final das contas, conservação é política – e a política está matando os grandes felinos.
Para a maioria dos países simplesmente falta o desejo político e a pressão pública para salvar sua vida silvestre. Mesmo a proteção de reservas tende a ser fraca, com caça furtiva de animais, desmatamento desenfreado, mineração e outras atividades ilegais acontecendo comumente. Cada país necessita de uma força de proteção de elite apoiada pela polícia e mesmo o exército, cooperação regional rigorosa para impedir o comércio ilegal de peles e ossos, ação judicial rápida contra os infratores, além de outras ações de impedimento contra os crimes. No final das contas, conservação é política – e a política está matando os grandes felinos.
Humanos e predadores tem se confrontado por milênios com medo e respeito. Tal conflito vai continuar. Eu examinei cavalos mortos por leopardos-da-neve na Mongólia, gado morto por onças no Brasil, e a única búfala leiteira de uma família ser morta por um tigre na Índia. Todos os grandes felinos matam animais domésticos, especialmente se suas presas nativas forem dizimadas. Achar pelo menos uma solução parcial para tais mortes é uma questão crítica de conservação. Muito da predação sobre animais domésticos é, entretanto, resultado da falta de práticas adequadas de manejo, como quando gado na Índia simplesmente forrageia nas florestas sem ninguém por perto.
Será que os governos ou organizações de conservação deveriam compensar as pessoas por tais perdas? A idéia é sedutora, mas tentativas em vários países tiveram pouco sucesso. Além do fato que fundos contínuos para isso nunca estão assegurados, existem reivindicações fraudulentas, dificuldades na verificação, atrasos nos pagamentos, e outros problemas. Uma comunidade poderia estabelecer um programa de seguro no qual os proprietários pagam uma taxa e depois são compensados pelas perdas.
O turismo pode beneficiar muito uma economia, como visto na África, onde visitantes se amontoam avidamente ao redor de leões e guepardos. Entretanto, a maioria das comunidades próximas às reservas de vida silvestre se beneficia muito pouco porque os governos ou operadores de turismo falham em dividir os lucros.
O turismo pode beneficiar muito uma economia, como visto na África, onde visitantes se amontoam avidamente ao redor de leões e guepardos. Entretanto, a maioria das comunidades próximas às reservas de vida silvestre se beneficia muito pouco porque os governos ou operadores de turismo falham em dividir os lucros.
Eu imagino se uma abordagem mais positiva pode ser mais eficiente: pagar as comunidades para que mantenham populações saudáveis de grandes felinos. Afinal de contas, é dolorosamente claro que boa ciência e boas leis não resultam necessariamente em conservação efetiva. As comunidades precisam estar diretamente envolvidas como parceiros de pleno direito na conservação, contribuindo com conhecimento, percepções, e habilidades. Consciente disso, tenho me concentrado nos últimos anos menos na ciência detalhada, algo que mais aprecio, e mais na conservação. Tentei me tornar uma combinação de educador, diplomata, antropólogo e naturalista – um missionário ecológico, equilibrando conhecimento e ação.
Mas sim, eu ainda coleto fezes de leopardo-das-neves para análise. Muito ainda precisa ser aprendido. Nós só sabemos como proteger leões e tigres, não como manejá-los em uma paisagem dominada pelo homem. A densidade demográfica da onça-pintada ou de outras populações de felinos em uma dada área é limitada pela quantidade de presas. É difícil contar espécies de presas, especialmente em florestas, e pouco se sabe de quanto um habitat pode suportar. De fato, ainda precisamos de informações sólidas sobre o estado e a distribuição da maioria dos felinos, com algumas estimativas baseadas às vezes em nada mais do que intuição. Onças-pintadas na Bacia Amazônica e leopardos-da-neve em várias áreas da Ásia Central nunca foram recenseadas.
Nosso maior desafio é conseguir persuadir e estimular compromissos nacionais para salvar os grandes felinos. É uma tarefa de todos. Comunidades precisam de incentivos para dividir suas terras com tais predadores. Os benefícios precisam ser baseados em valores morais tanto quanto econômicos. A onça-pintada é uma representação do Sol, a protetora de tudo o que vive para as sociedades indígenas da América Latina; o tigre na China era um emissário do Céu e na Índia hindu, uma força do bem; e o budismo ressalta respeito, amor, e compaixão por todos os seres vivos. A conservação é baseada em valores morais, não científicos, em beleza, ética, e religião, sem os quais ela não se sustenta.
Os grandes felinos representam o teste final de nosso desejo em compartilhar esse planeta com outras espécies. Precisamos agir agora para lhes oferecer um futuro seguro e promissor, se não por qualquer outra razão, porque eles estão entre as mais maravilhosas expressões da vida na Terra.
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